Lei aprovada pela ALEPA, que criminaliza “Fake News”, é inconstitucional, ilegal e engorda.

Assembléia Legislativa do Pará quer punir com multa quem divulgar Fake News. A intenção parecia ser boa, mas a decisão veio através da aprovação de um projeto de lei inconstitucional, sem qualquer técnica legislativa e até com ausência de coerência e lógica.

A iniciativa legislativa é de autoria dos deputados Dilvanda Faro e Igor Normando, que depois de aprovada pelos parlamentares, seguiu para sanção do Poder Executivo, que decidiu pelo veto total, noticia que recebi quando escrevia este texto.

O Governador foi elegante nas razões que explicam sua decisão, porém me sinto no dever, como ex-deputado, de chamar a atenção para os cuidados que os deputados e a assessoria devem ter na apresentação de suas proposições, afinal de contas as duas missões constitucionais reservada ao parlamento é legislar e fiscalizar os gastos públicos, as outras, com a manter as bases eleitorais, por exemplo, são para garantir votos e a reeleição quase eterna.

Os deputados não deviam desconhecer a inconstitucionalidade do Projeto de Lei por uma simples consulta a Constituição Federal. Legislar criminalizando atos dolosos ou culposos é matéria de Direito Penal, por conseguinte, competência legislativa privativa da União, conforme art. 22, inciso I, da nossa Carta Constitucional.

A Carta Magna é um texto de leitura obrigatória e deveria estar na cabeceira de todos os parlamentares, seus assessores de gabinete e os das comissões da Casa, principalmente as Comissões de Constituição e Justiça e de Redação Final.

Os parlamentares, homens e mulheres do povo, muito dos quais sem formação jurídica, o que não é obrigatório para o desempenho de suas missões, deveriam ser alertados da inconstitucionalidade e que a nossa legislação não é omissa quanto as “fake news”, estrangeirismo que confunde e induz ao erro de se acreditar estar-se diante algo novo, inusitado e que a legislação não tenha criminalizado anteriormente.

O Código Penal Brasileiro já previu, desde muito, o tipo penal e para demonstrar melhor, me socorro do texto de responsabilidade do Ministério Público de Santa Catarina:

A publicação de notícia sabidamente inverídica (fake news) no intuito de ofender a honra de alguém poderá caracterizar um dos tipos penais dos arts. 138, 139 e 140, todos do Código Penal, cumulados com a majorante do art. 141, III, do Código Penal, a depender do caso concreto;
a veiculação de fake news, quando o agente visa dar causa à instauração de procedimento oficial contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente, poderá configurar o delito de denunciação caluniosa, tipificado no art. 339 do Código Penal, sendo que presente a finalidade eleitoral o crime será o do art. 326-A do Código Eleitoral;
de acordo as circunstâncias do caso concreto, a conduta de disseminação de notícias falsas poderá estar tipificada no art. 286 do Código Penal (incitação ao crime), no qual o agente induz, provoca, estimula ou instiga publicamente a prática de determinado crime;

– na eventualidade de a publicação sabidamente falsa (fake news) ser veiculada por meio da rede mundial de computadores (seja em redes sociais ou em navegadores de internet) mediante link com código malicioso para a captação indevida de dados da vítima, invadindo dispositivo informático alheio, o agente poderá incorrer nas penas previstas para o crime do art. 154-A e seus parágrafos do Código 

– Penal disseminar tais notícias falsas (fake news) envolvendo especificamente a pandemia e a emergência de saúde pública que estamos vivendo, caso não se enquadre em nenhuma das figuras típicas específicas citadas em epígrafe, poderá configurar ainda a contravenção penal do art. 41 da LCP: “Provocar alarma, anunciando desastre ou perigo inexistente, ou praticar qualquer ato capaz de produzir pânico ou tumulto”.

Criar e divulgar fake news são crimes e Promotores de Justiça são orientados quanto ao combate contra as informações falsas que podem agravar a pandemia do coronavirus

Até aqui morreu neves. Mas vamos adiante.

Se não fosse o vício insanável da inconstitucionalidade formal e material, o projeto deveria ser rejeitado pela forma legislativa inapropriada e por tantas outras ilegalidades.

Leia comigo o inicio do artigo primeiro, onde se encontram as figuras típicas: “Fica proibida a criação, a divulgação e o compartilhamento virtual anônimo ou não…”

Ficar proibido não se coaduna com o nosso ordenamento jurídico, liberal por excelência.

As pessoas são livres e assumem o risco pelas consequências dos seus atos. Não é dado ao Estado proibir a priori qualquer ação humana. Cabe ao estado preventivamente evitar, aconselhar, orientar. Mas as pessoas são livres e gozam da presunção de inocência.

No passo seguinte, a lei quis “Proibir a criação”, o que é até impossível, pois, não se pune a ação antes que ela aconteça no mudo real. O que se pode penalizar é a divulgação e o compartilhamento, posto que a criação, quando muito, estaria para o crime principal, o que o direito penal chama de atos preparatórios do crime.

Só o fato de criar sem que a criação ganhe o espaço digital e provoque efeito danoso sobre a honra alheia, causando prejuízo a outrem não pode ser visto como crime. Até porque, antes de divulgar, o sujeito pode arrepender-se eficazmente e cessar a ação sem que ela comece a produzir qualquer efeito ou, como leciona Pontes de Miranda, ato ou fato jurídico.

No decorrer do texto, encontra-se muitos outros pecados mortais legislativos e até redacionais.

O “compartilhamento anônimo” é outra parte do texto da lei, no mínimo curioso. Veja bem, as pessoa podem compartilhar anonimamente, ocultar-se em pseudônimo ou outras meios para de tentar esconder-se, mas para efeito de aplicação da lei, é necessário que a investigação chegue ao autor da ação, pois não há crime de honra sem autor e sem vítima. O anonimato poderia ser um agravante, mas isto deveria estar claro no texto da lei.

O Projeto de Lei avança para incluir o meio jornalístico entre seus alvos, aqui o bicho pega, pois se há um regra de ouro da democracia é a liberdade de imprensa, e querer violá-la, mesmo que sorrateiramente, merece todo a nossa reação contrária.

Noutro trecho mais adiante, mas ainda no mesmo artigo primeiro do Projeto de Lei, o legislador estadual, por incrível que possa parecer, desejou criminalizar as opiniões: “informações e opiniões sem a devida comprovação da veracidade do conteúdo…” Aqui é tão grave, quanto invadir a liberdade de imprensa, pois ofende um dos direitos fundamentais, o direito a liberdade de manifestação do pensamento, artigo 5º: IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;”

São tantos os senões, que nem sei se vou conseguir abranger todos, mas se não o fizer, já peço perdão antecipado.

O texto diz: “causar constrangimentos a pessoas físicas e jurídicas, e que objetivem manchar a honra pessoal de autoridades constituídas”. O que você entendeu desta redação ? Não deveria os nossos parlamentares protegerem a honra de todos os paraenses? Por que o texto desejou enfatizar apenas a honra das autoridades constituídas? Eu vi aqui, um meio de calar a oposição, as criticas, as opiniões contrárias.

Segue o texto da lei utilizando-se de palavras dúbias, cuja à simples leitura dificulta o entendimento de qualquer operador do direito. Aqui confunde-se a fake news com informação ofensiva, empregando-se ainda o termo suspeita de ser falsa. Ora, para ser crime a informação deve ser falsa sem qualquer sombra de dúvida e a ofensa deve ser objetiva, capaz de ser mensurada.

§ 1º Para os fins de caracterização de crime virtual via a criação, a divulgação ou o simples compartilhamento virtual de conteúdo ou informação ofensiva suspeita de ser falsa ou mentirosa, considerar-se-á a qualquer texto, som, imagem, foto ou conteúdo de outro signo gravado em suporte físico ou digital e difundido publicamente por via da internet.

No art. 2.º, o legislador delega função indelegável, pois tanto o crime quanto a pena a ele cominada são matérias de lei.

Art. 2º As penalidades aplicáveis aos que vierem a ser considerados culpados ou infringirem os dispositivos desta Lei, deverão ser arbitradas mediante decreto regulamentador desta Lei pela autoridade competente.

Encerro por aqui, sem esgotar toda a analise, para dizer que me entristeço ao ler um projeto de lei tão curto com tantos erros. Conheço bem a Assembléia Legislativa, estive lá por dois mandatos, sei que temos entre o corpo funcional permanente excelentes técnicos, que se fossem ouvidos, nunca deixariam tamanhas aberrações prosperarem.

Isto é obra dos penduricalhos e de parlamentares que acham que em política tudo pode, inclusive legislar sem respeitar o ordenamento jurídico e as regras legislativas. A lei é uma obra quase divina e deve trazer o espirito pública, para servir ao bem comum.

Fui deputado em um tempo um pouco mais favorável. Tive a honra de divergir de grandes oponentes e de integrar legislaturas que respeitavam as opiniões dos técnicos em legislação e em redação legislativas, da Casa, lembro que cada deputado dispunha apenas quatro assessores.

Deixo, para me despedir, se não o texto não acaba, a imagem de um grande legislador, Moises. O ato de criação das 12 Tábuas foi um emblema para nos dizer que Deus entrega as boas inspirações legislativas aos que fazem por merecer, os escolhidos, os que o obedecem e andam no caminho reto. Antes de legislar, se inspirem e peçam os dons, as determinações divinas e façam leis duradouras.

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