Pesca artesanal, uma desconhecida do Governo do Pará
José Carlos Lima (Zé Carlos do PV) – consultor ambiental

Quatro pescadores, o barco com gelo, rancho e óleo diesel, saem todos os dias dos mais diversos portos, instalados nas vilas, as margens dos rios que desaguam na costa marítima e águas interiores bragantinas e que compõem a imensa região de mangue, rico em nutrientes.
Partem em direção aos pontos de pesca, vão contribuir para gerar renda e alimento saudável aos mais diversos lares brasileiros. Quem é que não aprecia um bom peixe fresco?
No porto, as famílias ficam em barracos humildes, esperando pela volta segura dos tripulantes das embarcações pesqueiras, torcendo para que regressem com vida e trazendo o peixe bom.
Também ficam a espera da produção os atravessadores, os compradores, os financiadores da empreitada, ávidos pelo fruto do trabalho de captura da pesca artesanal, para pô-los nos mais variados mercados de peixe.
Até chegar à grelha ou à panela, o peixe sai das águas por mãos humanas, calejadas das redes, do sol escaldante e do sal. São pessoas que se arriscam no mar, queimam a pele, ganham rugas, para viver do suor do próprio rosto e sonhar com um futuro digno, que entra maré, sai maré e nunca chega.
Ao sair dos portos, pelo caminho, vão deixando pra trás as fuzarcas, as redes de apoitar, os crimes ambientais cometidos em plena Resex Marinha, sem fiscalização, por falta de pessoal e estrutura, não atuam na proteção dos recursos naturais.
O ICMBio, Instituto Chico Mendes de Biodiversidade, órgão federal, responsável por cuidar das unidades de conservação federal, possui escritório na cidade de Bragança, mas não tem pessoal suficiente e nem equipamento, não possui uma lancha para patrulhar a área, atender um chamado ou uma denuncia de captura ilegal, como é o caso da captura de Mero, que embora esteja ameaçado de extinção, aparece sendo comercializado no mercado local sem qualquer importunação.
O uso de malhadeiras proibidas é responsável pela captura de pequenos peixes, muitos dos quais, sem valor comercial, são mortos e jogados fora. A diminuição destes pequenos peixes coloca em risco o estoque pesqueiro e a produção.
A refeição a bordo das pequenas embarcações, também, pois é feita com os peixes menores e fica comprometida por causa da escassez.
Os pescadores artesanais, responsáveis pelo abastecimento do mercado de peixe do país, vão navegar por horas até o ponto de pesca. Passarão pelas águas barrentas da foz, as águas verdes, até alcançar o mar azul, onde só se vê os astros, as estrelas e os cardumes de bijupirá, cujo dorso pode ser observado passando pela flor d’água
Serão oito dias de uma intensa rotina e perigo, principalmente de ser atropelados por um navio de grande porte, navegando no piloto automática, em rota pré-definida.
Sem instrumentos modernos, os pilotos dos barquinhos apelam para experiência. Quando avistam apenas uma luz vermelha, o navio passará ao largo, mas quando se enxerga duas luzes vermelhas é o desespero de puxar as redes e se afastar o mais rápido possível antes da quilha de ferro, empurrada por motores possantes, esmagarem a madeira molhada do pequeno e frágil barco, provocando o naufrágio dos seus ocupantes.
Já no ponto de pesca, é hora de soltar quatro mil metros ou mais de redes, amarrá-la ao barco e deixá-la pescando por quatro horas seguidas, enquanto o barco desce puxado pela força da maré.
A embarcação segue na força da correnteza, os homens a bordo se preparam para comer e descansar no intenso balançar do barco, até chegar a hora de puxar a rede, conferir a produção, colocar tudo no gelo e voltar ao ponto de partida para reiniciar a rotina, que será assim dia após dia, até chegar a hora de voltar ao porto, extenuado, vender a produção, ter alguns poucos dias de vivência familiar, que é dividido com a preparação para uma nova pescaria, ciclo que só se encerrará quando não houver mais força física, consumida pela labuta.
“A atividade pesqueira de pequena escala na região estuarina do Rio Caeté é de grande importância para economia da região e movimenta aproximadamente 4 milhões de reais e mais de 3.000 toneladas de pescado ano”, conclui a tese: Desembarque da pesca de pequena escala no município de Bragança- Pa: esforço de produção, assinada por Roberto Vilhena do Espirito Santo e Victória Judith Isaac.
Dez espécies são responsáveis por 80% do total desembarcado. Porém, as especieis que mais se destacam são: bandeirado, pescada gó, pescada amarela, corvina, bagre e a pratiqueira.
O estado do Pará, sozinho, é o maior produtor de pescado do Brasil em volume e espécies. A produção paraense atinge 15,5% de tudo que se produz no país. Parte significativa desta produção, mais de 75%, é proveniente da pesca artesanal, sendo a pesca realizada em aguas costeiras, estuarias e interior.
A pesca artesanal também é praticada no lago de Tucuruí, nos diversos rios paraenses e no interior da Ilha do Marajó. Cada uma com sua especificidade.
Embora o Pará ocupe lugar significativo na produção nacional, o Governo do Estado pouco investe neste setor e não dispõe de políticas públicas significativas voltadas para organização da produção, incorporação de técnicas ao saber pratico transmitido por gerações, comercialização e qualidade de vida das pessoas que se dedicam a atividade pesqueira em seu território.
Do orçamento geral do estado para o exercício de 2020 (R$ 27 bilhões) o Governo do Estado não tem um só programa para pesca, destinando apenas R$ 290 mil para aquicultura, especificamente para implantação de viveiros.
O pescador artesanal não frequenta escola de pesca, aprende a pescar na prática, com outros pescadores mais experientes. A maioria aprende com o pai ou com um parente próximo. O pai pescador geralmente transmite a um filho os conhecimentos práticos da arte de capturar os peixes. Ensina quais os petrechos, a arte da navegação, como se livrar dos insetos que vem do mangue, os movimentos da maré e da lua, os caminhos do mar e os pontos mais piscosos da região. São segredos passados de pais para filhos como se fazia desde antigamente.
Os pais pescadores, por saber dos sacrifícios, das agruras, dos dissabores e até dos perigos, geralmente evitam que todos filhos sigam sua profissão, apostando na educação, com ajuda da mãe, que na verdade é quem cuida da prole, para tirá-los deste caminho que não acham ter futuro, mas sempre tem aquele filho, que por alguma razão, perde o interesse pelo estudos, pois é justamente o filho que acaba herdando do pai os conhecimentos do ofício de “Simão Pedro”.
Em Bragança, o Instituto Federal do Pará e a Universidade Federal do Pará ofertam cursos técnicos e em grau universitário na área de pesca e aquicultura, mas, contraditoriamente, estes cursos não são frequentados pelos filhos dos pescadores e o motivo é triste, os que tem habilidade prática da pesca não tem estudos suficientes para ingressar no ensino médio e universitário. Já os que ingressam neste curso, porque passaram nas provas seletivas, acabam não exercendo a profissão para qual estudaram.
Ao atracar no porto, a pequena tripulação ainda não pode descansar, três ainda são as tarefas: a comercialização, o processo de divisão do esforço de pesca e limpar as ferramentas, remendar as redes, reparar a embarcação.
O que foi pescado é logo negociado. Quem estipula o preço, geralmente, são os compradores. O preço depende da relação entre o dono do barco e o atravessador, que financiou o gelo, os víveres, o óleo diesel. O pescador fica obrigado a vender-lhe tudo e pelo preço um pouco mais baixo do que oferece o mercado.
Feita a venda. Apurado o resultado. A divisão, com a tripulação, composta, geralmente, por quatro membros, é feita da seguinte forma: retira-se as despesas do barco e o saldo é dividido em cotas, ficando o dono do barco com duas cotas.
O pescador não tem dinheiro para financiar a pescaria e nem tempo ou habilidade para comercialização. Estes são fatores decisivos que os mantem atrelado ao sistema de comercialização através do atravessador.
Também por estes dois motivos, as várias tentativas para criar cooperativas de comercialização, com o protagonismo dos próprios pescadores, naufragaram.
De cada R$100,00 pagos pelo consumidor, R$ 58,60 são apropriados pelos agentes de comercialização e R$ 41,409 reais pelos pescadores, apontou a pesquisa citada.
Sem cooperativa, sem assistência técnica, sem políticas públicas consistentes, deveriam ter voz através de suas organizações, mas também ai os pescadores são desassistidos.
A organização dos pescadores é Colônias de Pescadores, regulado pela Lei Federal n.º 11.699/2008, que prever a total liberdade de organização, ou seja, as colônias são livres para criar suas próprias regras internas.
Na maioria, estas colônias são controladas por velhas lideranças e seus familiares, que usam dessas organizações como um meio de vida, como se fosse propriedade privada, aproveitando-se do pouco nível de consciência política e do pouco tempo que o pescador dispõe para se dedicar as atividade associativas, para manter o controle político e eleitoral.
As colônias oferecem muito pouco em termo de defesa da classe, contentando em dispor de um pequeno cardápio assistencialista, principalmente o encaminhamento para acessar a aposentadoria.
Na região bragantina, nem todo pescador tem acesso ao seguro defeso, apenas os que estão ligados à atividade de pesca industrial de pargo e de lagosta, conseguem preencher os requisitos legais para fazer jus ao benefício.
A pesca é um importante atividade econômica paraenses, mas para agregar valor ao produtor, melhor ganho de produção e qualidade de vida aos trabalhadores da pesca será necessário que o Governo do Estado adote políticas públicas executadas com apoio técnico e financiada por programas consistentes e contínuos.