
*crônica publicada em O Liberal de 07/02/2021
Todo deputado federal, antes de propor ou votar as leis penais, deveria ter a experiência de conhecer o processo punitivo brasileiro, indo pelo menos assistir às audiências de custódia.
Vou contar apenas uma destas audiências para exemplificar meu ponto de vista.
Um homem chega acorrentado e algemado à sala de audiências acompanhado do policial penal. A secretária da Vara, por ordem do Magistrado, o qualifica: 36 anos, negro, terceiro ano do ensino fundamental, sem emprego, sem residência, sem patrimônio.
Do que está sendo acusado? Embriagado, agrediu a mãe, uma velhinha de 84 anos. Tem antecedentes por ameaça, com medidas restritivas de manter distância da vítima, que, por óbvio, não respeitou.
Desconfia-se que essa aproximação teve o consentimento da vítima.
A vítima é a mãe. Uma velhinha frágil que deve se sentir culpada pela má criação do filho.
O homem, depois do que fez com a própria mãe é olhado por todos os presentes como um monstro, sentimento que salta do olhar do carcereiro que o conduziu até ali e na audiência ainda dá sinais de embriaguez.
O juiz, o promotor e o defensor são humanos e estão diante do caso com o dever de aplicar a lei, nas alternativas que o Legislador lhes ofereceu.
A eles o Legislador não deu muitas saídas. Eles não dispõem de outra medida que não seja a cadeia. Afastar o criminoso do convívio social. O sistema, de tão alheio à realidade, até os destrói como humanos.
A sociedade, diante de tanta violência, deseja a paz e confia que seus representantes e o sistema que é pago com uma das mais altas cargas tributárias do país lhes garanta o sossego com justiça.
O Estado nunca avaliou a eficiência e os custos deste seu sistema punitivo.
A máquina movimentada para punir um alcoólatra, um viciado, um destruído pela desigualdade social, um marginalizado é enorme e tem um custo total monstruoso. Mas o remédio que será aplicado não surtirá o efeito desejado, como não surtiram as medidas protetivas.
As casas penais estão sempre lotadas. O drama está dentro das casas e convivendo com as famílias.
Todos que participam destes atos sabem que o resultado final desta encenação macabra será inútil para aplicação da verdadeira justiça.
Os deputados federais que legislam sobre direito penal desconhecem a realidade e insistem em recrudescer o sistema sem buscar formas inteligentes e mais eficientes de alcançar o objetivo do Estado e satisfazer o desejo da sociedade.
As audiências de custódias são importantes, porém não passam de um suspiro dentro de um sistema asfixiante.
O certo é que, não se sabe até que ponto resta ameaçada a Constituição Federal, o pacto social no Brasil, cujos legisladores são capazes de tudo para obter votos, ignoram os sacrossantos direitos humanos e a própria tragédia, pouco sabem acerca de nossa realidade.
José Carlos Lima Advogado e consultor jurídico ambiental