No domingo (25-04) o Fantástico abordou o problema do estoque pesqueiro, a falta de dados, as ameaças ambientais e a extinção de espécies. Republico aqui o artigo “Pesca Artesanal”publicado em O Liberal.
Quatro pescadores, o barco com gelo, rancho e óleo diesel, saem todos os dias dos mais diversos portos, instalados nas vilas, as margens dos rios que desaguam na costa marítima e águas interiores bragantina, e que compõem imensa região de mangue, rico em nutrientes, partem em direção aos pontos de pesca, vão contribuir para gerar renda e alimento de muito boa qualidade aos lares brasileiros.
No porto, as famílias ficam em barracos humildes, esperando pela volta segura dos tripulantes das embarcações pesqueiras, trazendo o peixe bom. Também ficam para a volta os atravessadores, os compradores, os financiadores da empreitada, havidos pelo fruto do trabalho de captura da pesca artesanal. Até chegar na grelha ou na panela, o peixe sai das águas por mãos humanas calejadas das redes, do sol e do sal. São pessoas que se arriscam, queimam a pele, ganham rugas, para viver do suor, muito suor, do próprio rosto e sonhar com um futuro digno, que entra maré, sai maré e nunca chega.
Ao sair dos portos, no caminho foram deixando pra trás as fuzarcas, as redes de apoitar, os crimes ambientais cometidos em plena Resex marina, sem que a fiscalização, por falta de pessoal e estrutura, atue efetivamente na proteção dos recursos naturais. O ICMBio possui escritório na cidade de Bragança, mas não tem pessoal suficiente e nem uma lancha possui, para patrulhar a área ou atender uma denuncia de captura ilegal, como é o caso do Mero, que embora esteja ameaçado de extinção, aparece sendo comercializado no mercado local.
O uso de malhadeiras proibidas, responsáveis por capturar uma imensidão de pequenos peixes, muitos dos quais, sem valor comercial, são jogados fora, colocando em risco o estoque pesqueiro, a produção e até a boia a bordo, feitas com os peixes menores.
Os pescadores artesanais, responsáveis pelo abastecimento do mercado de peixe do país, vão navegar por horas até o ponto de pesca. Passarão pelas águas barrentas da foz, as águas verdes, até alcançar o mar azul, onde só se vê os astros, as estrelas e os cardumes de bijupirá, cujo dorso passa pela flor d’água. Serão oito dias de uma intensa rotina e perigo de ser atropelados por um navio de grande porte, navegando no piloto automática, em rota pré-definida.
Sem instrumentos modernos, os pilotos dos barquinhos apelam para experiência. Quando avistam apenas uma luz vermelha, o navio passará ao largo, mas quando se enxerga duas luzes vermelhas é o desespero de puxar as redes e se afastar o mais rápido possível antes da quilha de ferro, empurrada por motores possantes, esmague a madeira molhada do pequeno e frágil barco, provocando o naufrágio dos seus ocupantes. Depois de navegarem por muito tempo, chegam ao ponto de pesca, então é hora de soltar quatro mil metros ou mais de redes, amarrá-la ao barco e deixá-la pescando por quatro horas seguidas, enquanto o barco desce puxado pela força da maré.
A embarcação segue na força da correnteza. Os homens a bordo se preparam para comer e descansar no intenso balançar do barco, até chegar a hora de puxar a rede, conferir a produção, colocar tudo no gelo e voltar ao ponto de partida para reiniciar a rotina, que será assim dia após dia, até chegar a hora de voltar ao porto, extenuado, vender a produção, tem alguns poucos dias de vivência familiar, que divide com a preparação para uma nova pescaria, ciclo que só se encerrará quando não houver mais força física, consumida pelo tempo. “A atividade pesqueira de pequena escala na região estuarina do Rio Caeté é de grande importância para economia da região e movimenta aproximadamente 4 milhões de reais e mais de 3.000 toneladas de pescado ano”, conclui a tese: Desembarque da pesca de pequena escala no município de Bragança- Pa: esforço de produção, assinada por Roberto Vilhena do Espirito Santo e Victória Judith Isaac.
Dez espécies são responsáveis por 80% do total desembarcado. Porém, as especieis que mais se destacam são: bandeirado, pescada gó, pescada amarela, corvina, bagre e a pratiqueira. O estado do Pará é sozinho o maior produtor de pescado do Brasil em volume e espécies. A produção paraense atinge 15,5% de tudo que se produz no país. Parte significativa desta produção, mais de 75%, é proveniente da pesca artesanal, sendo a pesca realizada em aguas costeiras, estuarianas e interior.
Embora o Pará ocupe lugar significativo na produção nacional, o Governo do Estado pouco investe neste setor e não dispõe de políticas públicas significativas voltadas para organização da produção, incorporação de técnicas ao saber pratico tramitado por gerações, comercialização e qualidade de vida das pessoas que se dedicam a atividade pesqueira em seu território. Do orçamento geral do estado para o exercício de 2020, de R$ 27 bilhões, o Governo do Estado não tem um só programa para pesca, destinando apenas R$ 290 mil para aquicultura, especificamente para implantação de viveiros.
O pescador artesanal aprende a pescar na prática, com outros pescadores mais experientes, a maioria com o pai ou com um parente próximo. O pai pescador geralmente transmite a um filho os conhecimentos práticos da arte de capturar os peixes. Ensina quais os petrechos, a arte da navegação, como se livrar dos insetos que vem do mangue, os movimentos da maré e da lua, os caminhos do mar e os pontos mais piscosos da região. São segredos passados de pais para filhos como se fazia desde antigamente.
Os pais pescadores, por saber dos sacrifícios, das agruras, dos dissabores e até dos perigos, geralmente evitam que os filhos sigam sua profissão, apostando na educação para tira-los deste caminho que não acham ter futuro, mas sempre tem aquele filho, que por alguma razão, perde o interesse pelo estudos, pois é justamente o filho que acaba herdando do pai os conhecimentos do ofício de “Simão Pedro”.
Em Bragança, o IFPA, a Universidade Federal do Pará ofertam cursos técnicos e em grau universitário na área de pesca e aquicultura, mas, contraditoriamente, estes cursos não são frequentados pelos filhos dos pescadores e o motivo é triste, os que tem habilidade prática da pesca não tem estudos suficientes para ingressar no ensino médio e universitário e os que entram no ensino formal acabam não exercendo a profissão para qual estudaram.
Ao atracar no porto, a pequena tripulação ainda não pode descansar, duas ainda são as tarefas: a comercialização e o processo de divisão do esforço de pesca. O que foi pescado é logo negociado. Quem estipula o preço, geralmente, são os compradores. O preço depende da relação entre o dono do barco e o atravessador, que financiou o gelo, os víveres, o óleo diesel. O pescador fica obrigado a vender-lhe tudo e pelo preço um pouco mais baixo do que oferece o mercado. Feita a venda. Apurado o resultado. A divisão, com a tripulação composta por quatro membros, é feita da seguinte forma: retira-se as despesas do barco e o saldo é dividido em cotas, ficando o dono do barco com duas cotas.
A dependência de capital para financiar para o esforço de pesca, somado ao fato de que o pescador volta tão cansado do esforço desprendido na labuta, que não lhe sobra espaço para se aprimorar da tarefa de comercialização. Muitas tentativas para criar cooperativas de comercialização, com o protagonismo dos próprios pescadores, naufragaram. O pescador não tem a liberdade de negociar livremente sua produção e nem tem tempo ou habilidade para ele próprio vender livremente, alcançando preço mais justo.
Do que produzido e comercializado, cada R$100,00 pagos pelo consumidor, R$ 58,60 são apropriados pelos agentes de comercialização e R$ 41,409 reais pelos pescadores, apontou a pesquisa citada. Sem cooperativa, sem assistência técnica, sem políticas públicas consistentes, deveriam ter voz através de suas organizações.
O pescador se organiza em Colônias de Pescadores, regulado pela Lei Federal n.º 11.699/2008, que garante a liberdade de organização, mas que garante poucos participação e quase nem um serviço ou atividade relevante para o pescador. Na maioria, estas colônias são controladas por velhas lideranças e seus familiares, que usam dessas organizações como um meio de vida, como se fosse propriedade privada, aproveitando-se do pouco nível de consciência política e do pouco tempo que o pescador dispõe para se dedicar as atividade associativas.
O pescador artesanal das regiões bragantinas, não tem acesso ao seguro defeso, que, naquela região, cobre apenas as atividade de pesca industrial de pargo e de lagosta.